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Fine Dining - Quorum de Tiago Emanuel Santos

Somos pessoas que gostam de comer, mas somos ainda mais pessoas que gostam de estar à mesa. É raro a refeição que fazemos fora em que não aprendemos qualquer coisa nova, em que não partilhamos e trocamos ideias e em que não saímos surpreendidos, não pela técnica do chef e da sua cozinha, mas acima de tudo pela paixão que estes elementos têm por tudo isso. É em plena Rua do Alecrim, como quem desce a caminho do Cais do Sodré que se encontra um restaurante que nos dá vontade de nos mudarmos para lá e montarmos ali o nosso espaço. Podemos passar lá os dias sentados que é garantido que todos os dias vamos aprender algo novo e ganhar cada vez mais paixão pelo mundo gastronómico.



Tiago Emanuel Santos de seu nome é o timoneiro do Quorum, o restaurante que desde Agosto do ano passado mudou o seu rumo e virou-se mais para a Portugalidade. Tiago confessou-nos que quando foi desafiado para este projeto de inicio não estava para ai virado, estando mais focado no seu período de interregno e aprendizagem após ter largado a cozinha do Areias do Seixo. Durante uns tempos andou a viajar pelo país onde conheceu e contatou com pequenos produtores de matérias únicas que inspiram a sua cozinha. Após ter falado com parte da equipa que o acompanhou na anterior epopeia, decidiram aceitar a proposta e trazer para Lisboa uma experiência que se inspira no mundo mas que respira Portugal a cada garfada dada e que mostra que uma simples cebola pode ter tanto potencial como o melhor foie gras.


São 24 os lugares que nos permitem embarcar nesta viagem, todos eles devidamente bem dispostos numa sala cujas mesas e parte das paredes em madeira contrastam com as restante parte da parede espelhadas e com as lâmpadas suspensas, resultando harmoniosamente num espaço cosmopolita e confortável. Parte das mobílias que ajudam a compor a sala foram recuperadas pela equipa, após terem sido encontradas abandonadas ao acaso. As loiças e os copos foram todos eles também escolhidos a dedo para que nada destoe e tudo se enquadre em simbiose perfeita com o que neles é servido. Mas passemos à mesa que é lá que a verdadeira magia acontece.


São dois os menus disponíveis. Mensagem com 5 momentos e a Viagem a Portugal com 7, todos eles pensados para serem servidos naquela linhagem de modo a que a refeição seja sempre harmoniosa e crescente. As harmonizações de bebidas também são duas para cada menu. Uma em que só constam os vinhos de pequenos produtores especificamente escolhidos para cada prato e outra em que além desses vinhos, são introduzidas as fermentações caseiras.


Tudo começa como manda a regra. sem pretenciosismos o pão, as manteigas e o azeite chegam à mesa. Esqueçam tudo sobre o que sabem sobre os pães de antigamente que atualmente viraram moda, ali a fermentação é feita de modo natural, sem massa mãe e com a levedura a demorar de 4 a 5 dias e não a meia dúzia de horas que muitos se gabam de fazer para ter um pão de qualidade. Três ingredientes chave fazem o melhor pão de Lisboa: água, farinha e sal, a juntar a isto, só mesmo o tempo, nem mais, nem menos. As manteigas que o acompanham, também elas caseiras, são de cabra e ovelha. O azeite é Angélica, de pequena produção e de grande sabor.


Passamos aos snacks onde as memórias de infância do Chef estão presentes em cada um deles. Sabores de sempre apresentados em técnicas contemporâneas. Respeito pelo produto e pela cozinha atual. Uma patanisca servida num crocante e que homenageia o seu pai. O polvo seco com batata doce e pimento apresentado em forma de hóstia e num fumeiro para que nenhum dos nossos sentidos seja posto de fora e por último um pão com chouriço que representa as festas e romarias onde este não falta, mas deste modo com mais chouriço do que pão. Tudo para comer à vez e de uma só dentada, enquanto se degusta cerveja caseira com boa espuma, corpo e sabor.


Comensais que somos seguimos a Viagem a Portugal e como primeira entrada é servida uma farranfusa de ovo, ou ovo de tomatada. Tomate, cebola e ovo, simples não é? Em casa de qualquer um é algo fácil de se fazer, para Tiago o simples não basta. Inspirado no avô e na mãe não quis deixar este prato de fora do seu menu. Juntando a técnica contemporânea é feito um gel de tomate com a mesma cor e textura que um ovo. A gema de ovo por sua vez é curada com água e sal para se manter a película exterior bem firme e, com uma agulha própria, remove-se 80% de gema de ovo e adiciona-se 80% de gel de tomate. Resultado, um prato que se devia vender ao quilo para se ter sempre à mão em casa. A acompanhar no copo, um Antitesse 2012 cheio de frescura.


Seguimos para um mergulho no mar. Ravioli de gamba rosa do Algarve e caldo de enchidos fumados de Trás-os -Montes. De sabor suave e amanteigado a gamba do Algarve neste prato é utilizada na integra, sendo que parte serve para o recheio e outra parte é integrada na massa do ravioli. Por outro lado o caldo nos quais estes mergulham vai beber inspiração ao "dashi" mas 100% português, onde é usado algas da nossa costa devidamente tratadas, bem como o códium e todo o sabor de bons enchidos transmontanos. Uma espécie de surf&turf onde se destaca com facilidade a ligação do caldo com o ravioli num casamento perfeito e para a vida. Nos copos algo fresco e intenso como um Torres 1990 Branco VQPRD sublimemente escolhido por Bruna Esteves, a jovem chefe de sala e escanção do Quorum.



Chegamos aos pratos principais que podemos facilmente dividir em três tempos. Peixe, caça e carne. Começamos com o peixe e a sua apresentação e confeção simples. Produtos menos nobres mas elevados a uma excelência única. Brahma como proteína, batata doce, aipo e abóbora como tubérculos e uma caldo 100% feito de cebolas. Um prato sustentável e cheio de sabor que prova que nem tudo precisa de ser robalo ou garoupa para ser bem trabalhado. Nos copos um Oboé Douro branco de 2016. Tiago conta-nos como se inspirou para o prato de caça. "Descobri um produtor de arroz selvagem na zona de Estarreja, enquanto observava a sua plantação um coelho selvagem passou pelo caminho e ali por perto também estavam umas capuchinhas, pensei logo, vou integrar tudo isto num prato". E que prato meus senhores. Esqueçam tudo o que sabem sobre risotos. Arroz de salreu, coelho bravo e queijo velho das Flores. Para comer à colher até não haver mais, parando de vez em quando para dar um gole no fantástico Lapa dos Gaivões que estava nos copos. Chega a carne e o porco marca a sua presença. Cozido de grão de bico e barriga de porco cozinhada a 65º durante largas horas com um molho de tendões e coentros. No centro da mesa é deixado um panito embrulhado com o panito lá dentro, para que no fim os mais atrevidos peguem nesses pequenos pedaços de pão e se lambuzem com a molhanga. Um prato rico e intenso devidamente bem acompanhado no copo por uma sidra caseira com maça, pêra e kiwi.


Terminado os pratos salgados, chega a altura de as sobremesas brilharem, bem como os vinhos mais generosos e adocicados. As laranjas chegam à mesa, mas não as algarvias. Laranja dos pobres é como são conhecidas as laranjas do baixo Alentejo e como é chamada esta sobremesa. "Os menos abastados não conseguiam comprar as laranjas mais doces e sumarentas, por isso contentavam-se com esta", confessa Tiago. Cumprindo à regra a maneira como estas laranjas eram comidas, Tiago juntou-lhe o mel, o azeite e o poejo, criando um parfait de laranja que completa esta muito agradável surpresa. Mais leve, mas também muito improvável é a maça com nabiças, onde a fruta e os legumes trabalhados na perfeição compõem uma sobremesa que deixa saudades. Para terminar em grande e como não podiam faltar os petit fours, o "ló" chega à mesa numa versão simples e mais uma vez cheia de sabor. Mais "ló", menos pão para as últimas garfadas numa refeição que ninguém se esquecerá facilmente. Nos copos, primeiro um Riesling Quinta de Santana Late Harvest 2015, seguido de uma Alorna Abafado 2011.


Muitas vezes pensamos que estes restaurantes são demasiado caros, ou que só os "outros" os podem frequentar. Apesar de não ser uma refeição que se faça todos os dias é bastante possível um casal aproveitar uma experiência destas. Os menus têm o custo de 49 e 69€. acrescem aos mesmos os pairings de bebidas, contudo as bebidas também podem ser escolhidas à parte. É recomendado fazer reserva para o 216 040 375 pois o espaço é pequeno e felizmente muito concorrido. Garantidamente e até ao momento foi a refeição mais surpreendente que fizemos em 2019. Os nossos parabéns a toda a equipa.