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Conversas sobre o Vinho - André Figuinha.

Ano Novo e a vontade de sempre. 2021 arrancou há 4 dias e nós vamos já partilhar convosco a primeira conversa do ano. Na realidade esta conversa ainda foi feita em 2020, mas com o trabalho a apertar no final do ano e as festas a chegarem optámos por partilhar agora, onde todos já estamos mais concentrados nesta nova etapa. Depois dos ilustres sommeliers que já por aqui passaram, chega agora a vez de partilharmos uns dedos de conversa com aquele que é sem dúvida uma referência no mundo vínico em Portugal. Falamos de André Figuinha, o incrível sommelier do Restaurante Feitoria no Altis Belém Hotel & Spa.


É na sala do Feitoria que está André Figuinha, com mais de 20 anos de carreira na restauração e ciente do desafio que é harmonizar as criações do chef João Rodrigues com os melhores vinhos e champanhes, além da liderança do serviço de sala de excelência. Começou por trabalhar no antigo The House of Vodka, no final da década de 1990, passou pelos cruzeiros na Pincess Cruises onde conheceu e teve a experiência de outra realidade, teve o seu próprio restaurante, esteve também no restaurante Gemeli, entre outros.

Mais tarde, em 2007, fruto da passagem pelo restaurante 39 Degraus, na altura liderado pelo chef Luís Baena frequentou dois cursos especializados, o de Técnica e Serviço de Vinhos e o de Escanção, na Escola Superior de Hotelaria e Turismo do Estoril e em 2019 ganha o prémio de Sommelier do Ano pela Mesa Marcada e ainda neste mesmo ano também pela Grandes Escolhas. Entrou para o Feitoria em 2010, depois de ter sido responsável pelo serviço da cafetaria Mensagem, também no Altis Belém Hotel & Spa. Atualmente a par do Feitoria, abraça também os projetos com o Chef João Rodrigues na elaboração das cartas de vinhos do Rossio GastroBar, Mercado da Ribeira Time Out e a Cafetaria Mensagem.



1 – Começamos pelo óbvio. Para ti o que é um sommelier / escansão e qual a sua principal função nos dias de hoje?

- Identifico com alguém, que além de um enorme gosto pelo que faz, tem um grande conhecimento sobre vinhos e bebidas e um sentido de lugar muito pessoal e próprio. 
Como definição de trabalho deverão aconselhar, monitorizar necessidades dos clientes em sala, criar as melhores ligações entre pratos e comidas, serem responsáveis pelas apresentações das cartas, reposição de stocks e escolhas de novas referências. 
No que diz respeito à imagem, terem orgulho no que foi construído, tentar manter e elevar o estatuto da classe, e de alguma forma tentar fazer algo que tenha a ver com a dinamização da profissão, na apresentação, passagem e partilha de conhecimento. 
O caminho traçado poderá talvez levar à próxima grande revolução da restauração e hotelaria.

2 – O que te fez apaixonar por este vasto mundo dos vinhos?

- Tanta coisa! 
Depois de tanto tempo nesta profissão, acho que continuo a descobrir coisas que gosto: deixei um curso de informática de gestão para me dedicar à restauração e na realidade, acho que foi uma vontade que foi crescendo e foi tornando-se cada vez mais consistente com o passar dos anos. O vinho envolve-nos e traz-nos diferentes interpretações, conversas, desafios e no fundo novas descobertas.

3 – Eça de Queiroz uma vez disse: “diz-me o que comes, dir-te-ei quem és. Achas fútil ou pretensioso definir uma pessoa não pelo que ela come, mas sim pelo vinho que ela bebe? 

- Acho que não podemos definir as pessoas dessa forma até porque das mais variadas vezes que o tentamos fazer conscientemente a tendência é para correr mal… traduzindo e explicando é um “pré” ”conceito”. Fazer juízos baseado em observação deixou de ser para mim já há muito tempo um valor acrescentado, para passar a ser na verdade uma menos valia e um defeito profissional com o qual não me quero identificar. O mundo globalizou-se e o acesso que temos quer de informação quer de diferentes produtos é muito vasto. A verdade é que podemos estar em qualquer lado do mundo a beber determinados vinhos que não são da nossa região e dos quais temos acesso num click. Não tem necessariamente de fazer parte do meio ou do sítio que vivemos ou que frequentamos. Fazia sentido enquanto Eça dizia, e seguindo a frase proposta, que “O carácter de uma raça pode ser deduzido simplesmente do seu método de assar a carne.” e comparando aqui com a forma de agir, o facto de podermos e devermos definir perfis, estilos, locais, que sejam sinónimos orgulhosamente de sentido de terra, de gentes e dos seus costumes. Falamos de Terroir.



4 – Vamos fazer um jogo. Em vez de propores o wine pairing perfeito para uma refeição, pensa nos vinhos que mais gostas e que primeiro te vêm à memória para harmonizar os seguintes pratos: pescada cozida, costeletas de borrego fritas e brisas do Liz. 

- Champagne Jacquesson Avize, Imperfeito-Dão e Madeira Blandy´s Bual 1957…

5 – Com tantas castas existentes não só em Portugal, mas também pelo mundo fora, para ti qual a que melhor se define como monocasta e qual o blend mais consensual ao palato dos portugueses? 

- Vou sempre defender o que é nosso… e enquanto casta acho que o Arinto é casta rainha em Portugal e o blend terá de ir para Touriga Nacional, Tinta Roriz e Touriga Franca…

6 – Cada vez mais aparecem pessoas interessadas no vinho, mas com um conhecimento muito reduzido. Que cursos ou livros recomendas fazer e ler para se adquirir não só conhecimento, mas acima de tudo cimentar o gosto por este néctar dos deuses? 

Bom… acho que mais do que qualquer leitura, que é muito importante claro, muito deste conhecimento vem da nossa interpretação da prova. 
Aconselho talvez a irem a garrafeiras ou distribuidores que tenham um serviço de aconselhamento especializado de forma a adquirirem uma opinião sobre determinada casta, região ou produtor e também partilhar essa informação e trocar esse conhecimento. É importante ir a diferentes garrafeiras para não cairmos em tendências até que tenhamos a nossa opinião formada. 
As visitas aos locais, quintas, na minha opinião continuam a ser o que melhor funciona para mim em termos de compreensão de região perfil ou castas… e sim, não dá para ir a todo o lado!.... Venham os livros! 
Quanto a leituras, coisas que não sejam muito maçudas para enófilos, livros como da Madeline Puckette Winefolly por exemplo, ou ir um pouco mais além e ter um atlas da Jancis Robinson ou Vinhos do André Dominé.
Não esquecer, e vi recentemente, que filmes como o Somm 1, 2 ou 3 retratam bem este fantástico mundo de sommeliers e podem ajudar na decisão a tomar relativa a um curso! 
Neste tema dos cursos, existem vários níveis de WSET em Portugal, que permitem de uma forma certificada e reconhecida formalizar o conhecimento adquirido nos vinhos. De uma forma profissional será na EHTL que se deverá dirigir para efetuar um curso certificado para trabalhar na área…será um pouco mais longo. 
E por fim, não tenham medo de se deixar ficar nas mãos de um profissional num restaurante dando-lhe liberdade de escolha indicando, sem qualquer tipo de vergonha, os limites, perfis, o valor e conseguindo assim cimentar o vosso conhecimento com novas abordagens e experiências.



7 – Vamos às perguntas de resposta rápida: 

- Qual o teu vinho nacional favorito e com o que é que o acompanhas? 

Casa do Capitão-Mor Alvarinho Sobre Lias com ameijoas à Bulhão Pato! 

- Qual o teu vinho internacional favorito e com o que é que o acompanhas? 

Silex Didier Dagueneau com arroz de lingueirão 

- Qual a tua região vínica nacional favorita e porquê? 

Gosto do Dão pela versatilidade pouco explorada, longevidade e expressão dos brancos. 

- Que vinho bebeste e que infelizmente já não voltarás a beber? 

Chateau Margaux Primier Grand Cru Classé talvez… Mas a lista não para, houve muita coisa que provei que dificilmente volto a beber! 



8 – Para terminar pedimos-te que nos indiques quais são os vinhos que temos de ter sempre em casa nos seguintes escalões de preço: 

Até 5€: Espumante Caves São João Bruto, Casa de Paços Loureiro e Arinto, Camolas Premium tinto.

Até 10€: Contraste branco, Apelido Tinto, Herdade do Cebolal Branco. 

Até 25€: Druida Reserva Branco, Quinta de Pancas Vital, Quinta das Bágeiras Garrafeira Tinto, Cabriolet, Soalheiro Alvarinho Reserva, Espumante Murganheira Czar Cuvée Bruto. 

Até 50€: Álvaro de Castro Quinta da Pellada, Quinta Monte d´Oiro Vindima 13 de Outubro branco, Buçaco branco, Quinta dos Roques Alfrocheiro Preto, Espumante Vádio.