Estávamos em 2017 quando tivemos a oportunidade de, pela primeira vez, conhecer a cozinha do Vista Restaurante. Se nesse ano saímos convictos que a refeição que nos fora servida era mais que digna de uma estrela Michelin (facto que se veio a confirmar em novembro do mesmo ano) e cuja cozinha, já na altura liderada pelo Chef João Oliveira, era um diamante em bruto nas mãos de um Chef cheio de talento e que ia dar muito que falar. Este ano não temos dúvidas que a segunda estrela não seria de estranhar e que o diamante está polido a um bom ritmo e onde a união de uma equipa que ama o que faz está bem presente.
Humilde, dinâmico e dedicado ao seu trabalho, João Oliveira é natural do Porto, cidade na qual tirou o seu curso em 2006 e onde cedo começou a traçar o seu futuro promissor. Desde então passou por algumas das maiores referências gastronómicas de Portugal, nomeadamente no restaurante Largo do Paço, em Amarante com uma estrela Michelin, no The Yeatman Hotel, onde foi Subchefe durante quatro anos e atualmente com duas estrelas Michelin, bem como no restaurante do Hotel Vila Joya, premiado com 2 estrelas Michelin. Em 2015 João chegou ao Vista Restaurante como Chef executivo para alargar os horizontes dos paladares de Portimão e em apenas 2 anos de trabalho intenso colocou aquele incrível restaurante no radar dos restaurantes estrelados e numa meca para todos os gastrónomos.
De decoração simples e despretensiosa é com a paisagem da Praia da Rocha que somos brindados mal chegamos à sala. Avançando para o terraço, temos direito à primeira fila. "De Verão maioritariamente as pessoas preferem ficar cá fora, contudo o número de reservas tem sempre em conta os lugares da sala e as atuais diretrizes governamentais acerca da pandemia, para que se houver algum inconveniente, podermos trazer os clientes para dentro da mesma", somos informados enquanto nos fazem uma visita guiada pelo lobby, sala de bar e espaço de refeições do Bela Vista Hotel & Spa - Relais & Châteaux, o Hotel que acolhe o Vista Restaurante no seu interior. Independentemente de onde é feita a reserva, a experiência começa sempre com uma visita à cozinha para que todos possam conhecer o palco onde a arte é criada.
Descemos dois lanços de escadas e damos de caras com o Chef, que tal como comandante de uma embarcação que navega sozinha, vai dando indicações à jovem e focada equipa. Cada membro na sua estação, cada um com a sua função. Sem gritos, sem palavrões, o Chef dá indicações e em "voz unica" ouvimos um sim Chef que nos arrepia a espinha. A nossa experiência passava por fazer a refeição na "Mesa do Chef", uma recatada mesa colocada dentro da cozinha onde outrora existia o elevador que facilitava a cozinha. Visionário, João prescindiu desse auxilio e criou esta mesa para dois onde praticamente nos fundimos com a equipa.
Despretensiosa, a Mesa do Chef deixa de lado alguns formalismos de serviço, pois todo o mesmo é feito por João Oliveira. Enquanto dá indicações à cozinha e emprata todos os pratos que estão a ser servidos no terraço e na sala, ainda se desdobra em servir vinhos e pratos a quem nela se senta. Questionados acerca se queríamos mudar para uma mesa exterior devido ao calor que se fazia na cozinha, optámos pela ideia inicial e valeu cada gota de suor que nos saiu do corpo. Mas passemos à mesa e a tudo o que a rodeia pois o apetite já aperta.
De frente para o palco principal e com uma luxuosa garrafeira nas costas, João começa a por a mesa e rapidamente nos serve como aperitivo uma taça de Espumante da Herdade do Rocim Brut Nature 2017 que não só nos refrescou e acalmou aquela excitação natural como foi o pairing perfeito para o momento dos snacks e da entrada que se seguiu. Primeiro uma tartelete de atum maturado e uma interpretação aos olhos da cozinha da ameijoa à bolhão pato. Usar as mãos, levar à boca e devorar de uma só dentada.
Seguiu-se uma pura homenagem ao Algarve e às suas gentes. Numa taça, a receita contemporânea e em forma de carpaccio, de pickle de cenoura do Algarve. Em duas peças de suporte, um canelone de carapau e um crocante de carapau alimado com carpaccio de carapau. A cada garfada sentia-se sabor, sabor e mais sabor. A doçura da cenoura abraça na perfeição a acidez do "pickle" e o carapau só vem dar corpo e pujança a um prato que facilmente se repetia a cada refeição que fizéssemos.
Mesa levantada, copos recolhidos e João Oliveira repõe a mesma e apresenta-nos o Pirata da Viúva Branco. Um vinho irreverente, de parcelas selecionadas em solo argilo-calcário, sustentado em vinhas e vinificações livres de Colares. Intenso e salinico, fez pairing com a cavala curada e tostada com alcaparras, granizado de azeitona verde e uma falsa azeitona verde. Um prato elegante e cheio de sabor onde a simplicidade e o uso de bom produto aliado à técnica se faz sentir.
Enquanto João dava mais instruções à sua cozinha, o frenesim aumentava na mesma. Alguns pedidos estavam a ser executados para levar às mesas na sala e por momento algum se assiste a momentos tensos ou de pressão. Cada um executa na perfeição e tempo esperado o seu prato, sendo este terminado e empratado no balcão pelo Chef ou por vezes por toda a equipa. Após esta curta pausa a apreciar o espetáculo que nos é servido, chega à mesa o carabineiro. Este crustáceo tão presente nas cozinhas estreladas nunca desilude. Carabineiro, lula, pimentos assados e variações de tomate e pepino devidamente regados por um molho de cabeças esmagadas com infusões diversas como se de um gaspacho se trata-se. À parte, a cabeça grelhada e recheada com tártaro do mesmo para chucharmos tudo e lamber os dedos após o fazer. No copo um Ilha do Pico Verdelho 2018 cujo aroma frutado e acidez no ponto fez o casamento perfeito para um dos pratos da noite.
Num momento de menos azáfama e maior descontração, João fica um pouco na mesa enquanto serve e apresenta o momento do pão. Pão de fermentação com maçã; blend de manteigas de vaca, cabra e ovelha com flor de sal; anchovas de biqueirão da lota de Portimão e três incríveis azeites Daniel Proença de Carvalho com diferentes tipos de textura e acidez de azeitonas monovarietais Cobrançosa, Frantoio e Galega. Enquanto nos entretínhamos entre molhar o pão nos azeites ou barrá-lo com manteiga, João explicava a importância de ter o azeite bem guardado em garrafas escuras e longe da luz para uma boa conservação. Nos intervalos, degustávamos uma anchova e assim foi durante quase 20m um momento típico português e que todos gostam de ter. No copo, o vinho foi substituído por uma incrível Cidra biológica Clos de Citots.
A um bom ritmo esta experiência única caminha para o fim. A cozinha já anda a uma velocidade bem mais moderada, mas a concentração e exigência para que tudo seja perfeito mantém-se no mais alto nível. Outros dos pratos da noite está prestes a chegar à mesa, mas antes João Oliveira serve-nos no copo um Goblet 2016. Pregado, tártaro de ostra, caviar imperial e couve flor tostada e em puré, tudo levemente regado por um molho feito com as espinhas e manteiga de cabra que lhe dá a cremosidade devida e liga os elementos que já se encontravam no prato. O mais rico que o mar nos pode dar num só prato, onde o pregado brilha pela excelência da sua confeção.
Ainda com os sabores do prato anterior a harmonizar o nosso palato, um Blandy´s Sercial 10 anos chega ao copo. A sobremesa vem ai, pensámos nós. Enquanto isso à nossa frente uma cafeteira de vidro é deixada na mesa. Que bom, sobremesa e café para fechar em beleza. Fomos "enganados". Fora do menu que digamos ser constituído em 98% por matéria do mar, legumes e vegetais e que praticamente toda a matéria vem do baixo Alentejo e Algarve, João Oliveira explica-nos "o bacalhau". "Com este prato que não consta no menu quero mostrar a todos os que nos visitam que algo "tão nosso" mas que não se pesca em Portugal, pode e deve também ser degustado como os homens da faina o fazem" - diz-nos João. "Alguma vez viram um bacalhau seco com cabeça?" - questiona-nos e continua a explicar que estas são as partes que alimentam quem passa meses no mar para nos por o Rei na mesa. Numa taça, entranhas de bacalhau, carne da cabeça, batatas, chalota frita, ovas de bacalhau seca, colagénio, óleo de bacalhau, salsa, coentros e duas rodelas de chouriço, o único elemento de carne em todo um menu. Ao lado um rissol de bacalhau e noutro copo um incrível caldo de espinhas da cabeça, barbatanas secas, ervas frescas e algas desidratadas. A sustentabilidade num todo, onde tudo se aproveita para criar algo fantástico. Apenas para finalizar, num terceiro copo, um Terrenus Vinha da Serra 2018; onde com ele podemos perceber no palato a versatilidade que este incrível peixe tem a nível wine pairing.
Três horas passaram-se e praticamente não demos por elas. Na cozinha já se vão limpando algumas estações de serviço e a pré-sobremesa vai ser servida. Numa pequena laranjeira bonsai, "a laranja" colhe-se à mão e leva-se à boca de uma só vez, onde um refrescante sorvete da mesma nos enche a boca e prepara para o que há de vir. Terminar em beleza uma refeição de excelência não é fácil, requer inspiração e muito trabalho à mistura. Esta mistura dos dois fatores pode ser vista e provada no Bolo de Mel com amêndoa e mel de rosmaninho. A doçura chega também no copo onde um Vila Oeiras Carcavelos nos brinda com a sua presença duas vezes.
O Vista Restaurante situa-se na Av. Tomás Cabreira, Praia da Rocha em Portimão, está aberto aos jantares e funciona com dois Menus de regra comum, seja na escolha de um ou de outro, toda a mesa terá que optar pelo mesmo menu. O Menu Estação tem o valor unitário de 130€ mais bebidas. O Menu Vista tem o valor unitário de 160€ sendo que o wine pairing acresce em 95€ e o suplemento de queijos em mais 10€ por pessoa. As vossas reservas podem ser feitas aqui, ou ligando para o 282 460 280.
Bom apetite.