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Conversas à mesa - Rodrigo Castelo e o ADN Escalabitano.

Enraizado no Ribatejo, Rodrigo Castelo é provavelmente dos Chefs atuais aquele mais fiel a uma gastronomia nacional. Bom produto confeccionado a preceito. Sabores que se alinham e que nos marcam a memória. Produto pouco convencional mas cheio de sabor. É esse o ADN da sua cozinha escalabitana. 


Humildade e honestidade são duas qualidades que também o definem como pessoa. Depois do sucesso que continua a ser o Taberna ó Balcão em Santarém, da curta passagem por Algés com o Peixe ó Balcão, chega agora de vez a Lisboa com o Mariscador. Uma marisqueira que nos promete o melhor produto de mar e também de rio, visto este ser uma das suas grandes especialidades. Estivemos à conversa com ele e partilhamos agora convosco o resultado da mesma.

- Forcado amador, farmacêutico, cozinheiro. A que se deveu este percurso e quando é que surgiu o click do despertar para a cozinha?

RC - Vamos começar pelo fim, o despertar para a cozinha surgiu desde sempre. A minha mãe diz que eu cozinho desde os 8 anos e sempre gostei de o fazer. A minha vida foi sempre feita em volta de Tertúlias ou de uma mesa. Enquanto forcado nós podemos ter uma boa corrida de toiros mas no final acaba num grande jantar, nos treinos acaba sempre num grande petisco e todas as nossas vivências e os quilómetros que fazíamos de estrada tínhamos sempre de parar num lado ou outro para comer. Na indústria farmacêutica havia uma coisa ótima que era poder visitar os melhores restaurantes com o dinheiro dos outros. Contudo o culto da mesa e da cozinha é algo familiar. Planeávamos sempre as férias em torno dos restaurantes e se pudéssemos juntar no meio disto uma boa praia melhor ainda. 

- O Taberna ó Balcão em Santarém surgiu logo como um grande restaurante de referência não só da gastronomia portuguesa como acima de tudo da gastronomia ribatejana. A abertura do Mariscador em Lisboa é para aproximar a cozinha do Ribatejo a Lisboa, ou é uma cozinha pensada para o público e consumidor lisboeta?

RC - Eu sei que o mais correto seria pensar primeiro no consumidor e depois naquilo que nós gostamos. Uma das paixões que eu tenho é comer marisco e mariscador tanto é aquele que o apanha, como aquele que o come. Para ser muito honesto eu não pensei muito no consumidor mas sim naquilo que me faz mover e que eu julgo que vai da certo. Marisco de qualidade e um ponto de cozedura perfeito. A aproximação ao Ribatejo surge inevitavelmente. Podemos mostrar que o rio também nos dá bom produto tal como os lagostins, como o caranguejo, entre outros. Depois surge o lado da identidade. Estar a abrir uma marisqueira que não tivesse algo de ribatejano, não teria a minha identidade gastronómica. A grande maioria dos clientes vem para comer o marisco, mas depois há os outros que vêm para provar algo de diferente que eu possa fazer ou não, e essa parte é muito critica, daí ter de ter presente a minha identidade.


- Há tempos na Evasões, Fernando Melo disse algo como "dos chefes da nova vaga és aquele que representa e o que vai salvar a cozinha portuguesa autêntica". Como é que te revês nesta afirmação?

RC - Até fico arrepiado de ouvir isso, principalmente vindo de quem vem. Eu não acho que seja eu. O cozinheiro que sou hoje, seja bom ou mau devo-o aos meus colegas. Acredito que todos estamos em sintonia uns com os outros e hoje em dia à uma abertura de raciocínio na cozinha que os meus colegas antigamente não tinham. Existe muita partilha e tudo o que eu aprendi até hoje devo-o aos meus colegas e à minha insistência de todos os dias chegar a casa e de estudar. Nunca fui de estudar mas atualmente faço-o não só por necessidade mas acima de tudo porque gosto de o fazer. Leio livros e testo tudo até aquilo que eu considero "o ponto". Creio que o Fernando diz isso porque eu também me enraizei muito pelo Ribatejo, mas querer e gostar de "rasgar" um bocadinho. 

- Quais são as tuas grandes referências na cozinha de um modo geral e na gastronomia nacional de um modo mais especifico?

RC - São todos os meus colegas. Isto de falar em nomes é relativo pois vamos-nos sempre esquecer de alguém de quem gostamos e admiramos. A mim o que me inspira mesmo é a gastronomia portuguesa, o excelente produto que temos e os seus produtores e isto não digo da boca para fora, mas é mesmo verdade. Na Taberna ó Balcão já temos produto nosso, como os enchidos de touro bravo, uma mostarda de nectarina, uma manteiga própria, um caviar de ovas de barbo, uma butarga, peixe de rio seco, entre outras coisas. 

- Dos pratos que mais associamos à tua cozinha a sandes de bode capado e o coscorão do rio até ao mar são sem dúvida uma assinatura. Com surgiram as ideias para criar estes pratos.

RC - O coscorão foi a partir de uma massa de coscorão da minha avó que é ótima e eu procurava uma massa que fosse realmente muito crocante e que não absorvesse o molho. Servir comida em cones não era novidade nenhuma, mas há outra coisa que eu defendo na cozinha, que é: "se queres fazer algo parecido, que o faças muito diferente" é contraditório mas só assim é que funciona. Uma massa diferente, um recheio diferente e algo que quando se coma seja mesmo assim "tchanam". A bucha de capado surgiu numa altura em que eu estava viciado em snacks e aproveitei uma massa de aguardente também ela crocante para a servir e ser comida de uma só vez. Sabor intenso mas que é uma excelente maneira de arrancar com a refeição. Não me bastou criar snacks, tinha de o fazer seguindo o meu ADN, pois como costumo dizer sou patriota, sou mais ribatejano, mas ainda sou mais escalabitano. Tudo tem de ser para comer à mão, mas com textura e ai é que vem a parte desafiante.


- Para terminarmos temos três questões de perguntas simples e respostas rápidas. A primeira é: o que é que mais gostas e cozinhar?

RC - Essa é uma pergunta que me fazem muitas vezes. Nas carnes é touro e nos peixes é peixe do rio, mas de um modo geral gosto de cozinhar um bom produto.

- O que é que mais te pedem para cozinhar?

RC - Em ambiente familiar nós comemos de tudo, não me pedem nada em concreto, apenas me pedem para cozinhar, mesmo os meus filhos de 3 e de 7 anos. No restaurante a maioria das vezes pedem para ficar nas minhas mãos, o que é bom, mas por vezes aborrecido pois nem sempre confiam na capacidade das nossas equipas e têm de confiar.

- Qual o ingrediente ou produto que nunca cozinhaste e que vês nele um desafio para cozinhar?

RC - Eu há coisas que não me despertam curiosidade nenhuma em cozinhar. Cavalo e animais de grande porte não me puxa. Já provei e não gostei. Mas tenho curiosidade e sinto desafiante cozinhar animais cujo processo criativo seja feita por nós e isso já acontece com alguns animais que nós alimentamos à nossa maneira para evidenciar sabores.