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Fine Dining - Largo do Paço de Tiago Bonito

No mundo da gastronomia atual cada vez o menos é mais. Menos produção, melhor qualidade na matéria. Menos ingredientes, melhor o sabor de cada um. Mas isto é muito mais simples de se fazer acontecer quando estamos numa cidade que tem tudo ao nosso alcance e nas quais os pequenos produtores já são reconhecidos e entram com facilidade. Se estivermos a falar de uma cidade pequena a coisa não é assim tão simples. Obter boa matéria requer perder tempo à procura dela e mesmo depois de a encontrarmos, requer que o produtor da mesma a continue a produzir do mesmo modo e se possível em quantidade suficiente para satisfazer a nossa cozinha.

“Quando não estou na cozinha, ando por aí à procura dos melhores produtos”. Esta é uma afirmação de Tiago bonito que melhor traduz o seu modo de estar e de trabalhar no incrível Largo do Paço, o restaurante estrelado da Casa da Calçada Relais & Chateaux em Amarante. Falar de Tiago Bonito e falar do Largo do Paço é falar da reflexão desta premissa. Tiago é um jovem Chef com um talento único. Há cerca de quatro anos deixou Lisboa e rumou a Amarante, tomando rédeas do Restaurante Largo do Paço. Agarrar um restaurante premiado com uma estrela é como começarmos um ano letivo de escolaridade já com 20. Ter o prémio não é assim tão difícil, manter o prémio é que dá trabalho. Trabalho esse que o ano passado voltou a ser reconhecido pelo guia e esperemos que este ano se mantenha tal reconhecimento, pois a refeição que lá fizemos recentemente foi das melhores que tivemos este ano.


Uma equipa jovem, bem formada e competente, com alguns ajustes técnicos pois a pandemia assim o obriga. Certo que num restaurante desta categoria é o que se espera, mas a humildade e genuinidade daquela equipa é algo único. Da cozinha à sala todos sabem o seu lugar e deveres. David Teixeira, o escanção, impressiona-nos sempre que lá voltamos e como sempre superou as expetativas com as suas surpreendentes escolhas. Ama o vinho como quem ama a vida e isso nota-se a cada copo que nos é sugerido. Certo que a excelente garrafeira do espaço ajuda, e muito, mas mesmo assim toda a seleção é feita por David e nada nem ninguém é melhor que ele para nos sugerir aquele vinho para aquele momento. Seja uma garrafa a partilhar ou um pairing sugerido, o melhor é mesmo deixarmos-nos levar nas suas mão para uma viagem vínica como não há igual.


Mas falemos um pouco do espaço e do Chef. Um restaurante no qual podemos dormir...Na realidade o Largo do Paço fica inserido no luxuoso hotel de charme, Casa da Calçada, com quem partilha todos os exigentes requisitos da cadeia internacional, Relais & Chateaux. Tanto charme e requinte juntos exigem uma cozinha de perfeição. Tiago Bonito, o irreverente e perfeccionista Chef executivo desenha as suas cartas de autor de forma arrojada e criativa, nas quais reflete, na integra, a sua própria identidade enquanto Chef. Tiago é um apaixonado pelas artes da cozinha e considerado um declarado talento da alta cozinha portuguesa, tendo conquistado o título de Chefe Cozinheiro do Ano em 2011, no mesmo concurso em que se distinguiu com o Troféu de Inovação. Todos os seus pratos têm uma história por detrás, têm raízes, memórias e experiências.
“Valorizo os produtos da época, nacionais e locais, de forma a garantir que à mesa dos clientes chegam pratos primorosamente apresentados, preparados e confeccionados com ingredientes da melhor qualidade, estando sempre salvaguardada a variedade e complementaridade que a paleta de sabores dos produtos sazonais oferece”, assegura o Chef. Somos suspeitos pois vemos no Tiago não só um excelente profissional, como um amigo e para nós ele está sem dúvida no nosso TOP 3 dos Chefs, lado a lado com o João Rodrigues do Restaurante Feitoria e do Vitor Matos do Restaurante Antiqvvm.



Na carta preparada surgem dois menus centrais de degustação: “Caminhos” e “Identidade”. No menu “Caminhos” o chef propõe uma viagem pelos paladares dos locais que marcaram a sua vida, as suas vivências e as suas raízes de norte a sul de Portugal. No menu “Identidade” homenageia o produto com criatividade e evolução culinária. Na nossa visita mais uma vez deixámos-nos nas mãos do Chef e foi-nos servido um misto de ambos os menus, de modo a podermos conhecer o que a cozinha do Largo do Paço nos tem para oferecer. Passemos então à mesa, que o apetite já se faz sentir.


Sentados à mesa e como sempre começam as receções de boas vindas. Um elemento da equipa traz a ementa para que tenhamos um ideia do que compõem os menus e David Teixeira, com o seu sorriso (mesmo que escondido por uma máscara) e simpatia, serve-nos um flute de espumante da casa. Portal da Calçada, um Cuvée Prestige Brut que nos vai acompanhar nos momentos iniciais da refeição. Momentos esses que como sempre começam com uma sequência de amuse bouches. Macarron de espargos com cupita de porco; falsas rochas de mousse de queijo leitelho fermentado com mel; bacalhau à braz em mousse de bacalhau com gema de ovo; tacos de tártaro de novilho com gel de ouriço do mar e rábano picante. De uma assentada, com uma só dentada, do suave ao intenso estas propostas que nos chegam em dois tempos distintos devem ser comidas pela ordem descrita e só pecam por saber a pouco, mas o melhor é ter calma pois o menu ainda é extenso.


Saem os snacks e entra um dos elementos que não falta numa mesa portuguesa: o momento do pão. Começa com um brioche amassado e cozido diariamente no restaurante. Fresco, leve, com bom miolo e de sabor único. Seguiu-se o pão de mistura com massa mãe, o de mirtilo e canela e por último um folhado de barriga de porco com sabor marcante mas de persistência leve o que o torna guloso. A acompanhar as já famosas manteigas, também elas caseiras, de tomate e pimentos, fumada e tradicional dos açores; bem como um fantástico Azeite Terras Dazibo onde por diversas vezes mergulhámos o nosso pão.


Começam as entradas e logo com uma explosão de sabor. Gema, caviar, crutons de milho e uma pequena telha recheada com nata azeda para equilibrar sabores. Um prato sedoso e que nos envolve logo na primeira colherada e onde a doçura e cremosidade do ovo abraça em toda a plenitude a salinidade e crocância do caviar. No copo terminamos o espumante que também ajudou e muito este pairing e David já preparava o que se seguia.


Casa de Mouraz Dão Branco chega ao nosso copo e com ele vem já um dos clássicos do chef. O jardim cheio de cor e legumes frescos faz com que estejamos sem exageros um bom minuto ou mais a apreciar todos os detalhes do empratamento antes sequer de pensar em meter-lhe o talher. Na base uma leve mousse de alface. A fazer de sustento um leve crocante de massa mãe. No "recheio", espargos, trufa e toda uma panóplia de micro vegetais, tudo isto levemente perfumado com essência de manjericão para nos despertar todos os sentidos a caminho do jardim.


O peixe de rio também se faz representar e muito bem no Largo do Paço. O prato que se seguiu foi uma composição de sabores ousados mas em perfeita sintonia. Técnica e acima de tudo vontade de mostrar que é possível fazer bom e bonito fora das grandes cidades em Portugal. Lírio envolto em alga nori, pequenas esferificações em fórmula de pérola de ostra, gelado de pepino fumado com iogurte e um saboroso dashi de óleo de amêndoas a unificar todos estes sabores que se comem e bebem à colher. Por falar em beber, David serviu da Quinta das Bágeiras um perfeito Pai Abel Branco que não só acompanhou o Lírio, como a senhora que se seguiu.



Antes de o ser, já o era. A pescada não é propriamente um peixe nobre, mas é sem dúvida um peixe que honra o nosso mar. Bem confecionada então é mesmo melhor que muitos outros peixes que se vêm por ai. Cozinhada no ponto certo, o filete de pescada vem acompanhado por um puré de salsa, por uma gema de ovo a baixa temperatura que é uma autêntica explosão de sabor e por uma espuma arejada de ameijoas para reforçar o mergulho de sabores no oceano. Ao lado e como complemento é servido um pequeno rissol de berbigão onde tudo é perfeito desde o recheio até à fritura. Rissol esse tão bom que sugerimos que os mesmos sejam vendidos à caixa para que os clientes os possam trazer com eles.



Sai o peixe e entramos na carne. David apresenta agora uma das surpresas liquidas da noite. Não eramos de todo conhecedores dos vinhos do Algarve, contudo o João Clara Negramole 2015 foi uma excelente escolha de um vinho com força mas não demasiado marcante e que cumpriu no seu todo com o pairing ao borrego. Uma autentica obra de arte chega no prato onde o borrego é a estrela principal e que acompanha com um jus de hortelã, puré de ervilha, quenelle de chalota, compota de tomate e mousse de beringela. Caramba, sem dúvida o prato da noite e que ainda teve a oportunidade de ser todo ele passado por um pouco de pão que ainda estava na mesa para que nada sobrasse para contar a história.



Numa pequena pausa entre os salgados e os doces que ainda estavam para vir, o carro de queijos vem ter connosco. A proposta foi de três queijos nacionais onde não podia faltar o Rabaçal de Coimbra, o queijo de Castelo Branco e o da Ilha de São Miguel. Cremosidade, consistência e sabor lado a lado com uma compota caseira de abóbora, umas avelâs e umas pequenas tostas de pão. No copo, já em versão generoso, um excelente Maynards Colheita 1989 White Aged in Wood. Licoroso de excelência encheu-nos a boca desde o primeiro golo.


Chega o momento doce numa sobremesa cheia de frescura em toda a sua plenitude. Após uma refeição de excelência basta um pequeno descuido com o açúcar para que este se sobreponha a tudo o que já comemos. Tiago Bonito é muito cuidadoso neste campo e a sua proposta passa pelo tutti frutti. Uma excelente reinterpretação de uma salada de fruta onde a maça, a manga, a laranja e o melão ganham formas e texturas entre o crocante e o gelado enchendo-nos não só a vista mas acima de tudo o palato. Uma verdadeira e fresca explosão de sabores simples mas puros. Claro que o repasto não podia terminar sem o serviço de chá, café e as gulosas mignardises, onde se encontravam trufas, macarons, madalenas e bombons


Já num momento mais exclusivo e como sempre, Tiago veio à mesa para trocar algumas palavras não só connosco mas como com todos os clientes que tiveram o prazer de prolongar esta experiência ao máximo. É sem dúvida um gosto muito grande ouvir as palavras de quem sabe e o gosto que ele tem pelo que faz.


Tiago Bonito pode não estar à frente de uma cozinha numa grande cidade mas garantidamente já deixou a sua marca na cidade de Amarante. Certo que o Largo do Paço já tem um historial de bons chefes e de estrela mas a visão de Tiago continua a levar o restaurante ainda mais além. Aberto de quinta a domingo, sendo que de quinta a sábado apenas serve jantares e ao domingo apenas almoços. O Largo do Paço trabalha com menus de degustação, servidos sempre em mesa completa, ou à la carte. 

Os menus têm os seguintes preços por pessoa: 
- Menu "Caminhos" 115€, degustação de vinhos "Escolha de Sommelier" 55€; 
- Menu "Identidade" 130€, degustação de vinhos "Escolha de Sommelier" 65€. 

À carta o valor rondará os 70€ por pessoa, já com vinho a copo. 

Podem fazer as vossas reservas para o número 255 410 830.