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Fine Dining - Pesca de Diogo Noronha

Se há uns anos atrás nos falassem em sustentabilidade alimentar muitos de nós provavelmente não conseguiríamos exprimir o que este termo significa. Sustentabilidade não é aproveitar os desperdícios mas sim evitar que os mesmos surjam. É filetar um peixe e aproveitar todo o resto para fazer um caldo, é fazer uma sobremesa com fruta e evitar que as suas cascas sejam lixo, aproveitando as mesmas para fazer ou intensificar sabores num doce caseiro, ou até mesmo num vermute. É chegar ao final do dia e não ter "lixo" alimentar, mas sim todo o produto aproveitado.



Desde que abriu há precisamente um ano no nº 27 da Rua da Escola Politécnica no Príncipe Real, o Restaurante Pesca tem mostrado todos os dias que é possível praticar uma cozinha sustentável, cheia de sabor e em que nada é posto de parte. Esta política de evitar o desperdício só é possível quando a cozinha no seu todo funciona em perfeita simbiose com o resto do restaurante, seja o bar, ou a pastelaria. Mas não basta a boa vontade e comunicação. É preciso também ter como timoneiros génios criativos como é o caso do Chef Diogo Noronha, o Chef pasteleiro Clayton Ferreira e o Head Bartender (e provavelmente um dos melhores de Lisboa) Fernão Gonçalves.



Instalado num prédio oitocentista, o restaurante Pesca conta com dois pisos. No primeiro andar encontram-se o bar, a cozinha, por onde os clientes têm obrigatoriamente de passar, e a sala de refeições, ficando a cave reservada para outras áreas operacionais. Com capacidade para 50 lugares, este espaço, recuperado pelo arquitecto João Regal, teve como principal desafio a harmonização das zonas interior e exterior. Assim, e ao contrário do que é habitual, há uma continuidade na utilização dos materiais entre o interior e o exterior, desde o pavimento com mosaico hidráulico de inertes (muito popular em Portugal até aos anos 80), até ao mobiliário, na sua maioria construído a partir da reutilização de madeiras de um prédio pombalino.




Mais um dos gestos alinhados com as preocupações de sustentabilidade do projeto. Outro dos desafios era garantir que o espaço exterior pudesse ser vivido o ano inteiro, o que se tornou possível graças à instalação do terraço bioclimático, contíguo à sala de refeições interior. Com paredes forradas a azulejo artesanal Viúva Lamego, o Restaurante Pesca caracteriza se por uma sobriedade onde o que mais brilha são os pratos de autor que chegam à mesa. Pensado ao pormenor, desde a escolha das cadeiras, aos candeeiros que nos remetem para a luz de farol, o Restaurante Pesca é um espaço dominado pelo conforto e por um minimalismo acolhedor. 




Comecemos por evitar desperdício no bar. Cada vez mais numa guerra acesa contra o plástico, há muito que o Restaurante Pesca usa palhinhas de bambu ou de vidro, ao fim ao cabo é tudo uma questão de estética reutilizável. Depois partimos para a parte inventiva e criativa que nem todos os barmans são dotados mas felizmente o Fernão nasceu com este dom. Na carta, 10 clássicos reinventados onde muitos ingredientes saem diretamente da cozinha, alguns são colhidos diretamente por Fernão em zonas da grande Lisboa e outros são agradáveis experiências, frutos de muito estudo e de tentativa erro. Ervilhas, cenouras, salicórnia, amendoim, pepino, flor de sabugueiro, caju, perpétua das areias, são apenas alguns dos ingredientes que podem ser bebidos, cheirados e sentidos, numa experiência única e intensa. Pode tudo parecer muito, mas pegar num ananás, grelhar o mesmo, extrair o sumo (cerca de 40% do fruto) e pegar em toda a fibra (restantes 60%) e fazer desta um crocante que serve de guarnição para o Daiquiri de Abacaxi, é algo que torna este cocktail único e irresistível. No final, zero desperdício. De destacar também a excelente garrafeira de vinhos pouco usuais mas incrivelmente bons, como são os casos de vinhos biodinâmicos e naturais.



Passemos à cozinha. Produto de eleição e de estação, tal como o "fine dining" exige. No Pesca a carne não entra e sem ser os legumes de agricultura biológica selecionada, tudo vem do mar. Água, soluções salinas, algas, mariscos, peixes, moluscos. Tudo o que o mar nos possa dar e que seja trabalhável, o Diogo Noronha arranja sempre uma maneira de o colocar no prato. Cabe olhar para a natureza e escolher, com consciência, os produtos da mais elevada qualidade, que promovam o bem-estar dos clientes e tornem a pegada ecológica a menor possível. Este respeito pelo tempo e pela natureza reflete-se ainda na cuidadosa seleção de cada técnica, cujo objetivo é realçar o verdadeiro sabor dos produtos. Considerado um dos melhores do mundo, o peixe português é o centro desta aposta gastronómica, desenhada por Diogo Noronha, que aporta um novo olhar sobre um dos mais típicos produtos nacionais e coloca em destaque a riqueza da gastronomia atlântica. 



Com uma carta que se recusa a ser refém das tendências, o Pesca é sobretudo uma homenagem ao verdadeiro sabor do peixe, à identidade portuguesa e à sua ligação ao mar. À la carte ou num dos dois menus de degustação disponíveis é impossível não sentirmos a leve brisa marítima em cada prato degustado. Mas vamos debruçarmos um pouco sobre os menus. Maresia e maré de seus nomes. Quatro ou sete pratos a sua composição. Optámos pelo menu Maresia e fomos brindados com uma fantástico amuse bouche de melão, vermute e paprika. Doçura, frescura, intensidade e spicy o suficiente para abrir os sentidos. Seguiu-se um pão de queijo de bacalhau que se devora de uma só vez e que nos remete para os tradicionais pasteis de bacalhau mas com o devido toque de irreverência.



Como entrada, ostras do sado com migas de amêndoa, flor de sabugueiro e alga wakame. Uma ostra ao natural, uma fumada e uma panada ladeadas por dois molhos cheios de sabor e que nos dão vontade de lamber o prato para que nada sobre. Seguiu-se uma garoupa da pedra dos Açores com tomates biológicos da temporada, micro cenouras da Quinta do Poial braseadas e erva cidreira. Para terminar e ligar todos estes sabores, uma imbatível água de tomate e um pouco de azeite. Um prato simples onde não só o produto se destaca, como também a confeção da garoupa no ponto deixou-nos surpreendidos. Dica para gulosos, não deixem de pedir o pão que além de ser amassado pelo Clayton, é a companhia ideal para devorar todo o molho.



Neste momento deveríamos saltar para a pré-sobremesa, Mas Diogo quis que provássemos um dos pratos fortes da carta (que infelizmente estará de saída devido à sazonalidade). Um perfeito lombo de anchova dos Açores chega à mesa, acompanhado de um bisque de milho doce, espigas assadas, berbigão em escabeche, salicórnia e tapenade de azeitona preta. Chega então a pré-sobremesa. Das mão de Clayton, uma novidade. Milho, milho e mais milho, num gelado suave e envolvente, acompanhado por uma espécie de pipoca crocante e com um molho também ele divinal. Não sabemos o nome do prato, mas se se chamasse milho ao cubo não seria má ideia. Para rematar todo este repasto, morango e ruibarbo. Doçura q.b. com uma frescura contagiante. A sobremesa perfeita para uma refeição genial.



Aberto de terça a domingo, das 12h às 15h para almoço e das 19h às 24h para jantares, é aconselhável fazerem reserva, mas se tiverem de passagem podem sempre tentar a vossa sorte. O valor médio à la carte ronda os 40€ por pessoa, isto já com um copo de vinho. Os menus têm um valor de 50€ por pessoa para o maresia e 80€ para o maré, excluindo bebidas. Um preço mais do que justo para uma refeição que dificilmente encontrarão igual.