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Fine Dining - LOCO de Alexandre Silva.

Situado no nº 53 da Rua dos Navegantes, junto à Basílica da Estrela, em Lisboa, numa das zonas mais tradicionais da cidade, ao lado de bairros como a Lapa e Campo de Ourique, encontra-se o restaurante LOCO de Alexandre Silva. Com portas abertas desde dezembro de 2015, foi desde o início um caso de sucesso. A sua decoração é minimalista e despretensiosa, destacando-se à entrada, uma oliveira centenária suspensa e ao fundo da sala uma grande parede feita a partir de azulejos de cerâmica em losangos, recriando o efeito de um dos ex-libris da cidade de Lisboa, a Casa dos Bicos. Pelo meio temos dois espaços distintos mas em perfeita comunhão: a sala de refeições com 22 lugares sentados com mesas em madeira escura seguras em pés de madeira de oliveira, feitos pelo pai de Alexandre Silva e uma garrafeira exposta; e a cozinha que curiosamente ocupa a maior fatia de toda a área, onde se encontra à vista de todos o belíssimo fogão italiano Marrone desenhado pelo Chef, bem como o longo balcão negro que revela a equipa tal como é, e o seu trabalho in loco, formando uma cumplicidade entre os dois espaços dando sentido a toda a experiência gastronómica do LOCO, onde não existem barreiras e os clientes são parte integrante do processo. 



Foi com a ampliação do espaço com o I+D que esta equipa criativa pode (ainda mais) dar asas à sua imaginação e ter ali mesmo na porta do lado um "laboratório" experimental de onde já sairam o tão afamado pão, as deliciosas kombuchas (bebidas probióticas feitas a partir do chá preto através da fermentação por leveduras e bactérias benéficas à saúde, sendo por isto uma bebida que fortalece o nosso organismo) e mais recentemente os maravilhosos queijos que tanto têm dado que falar. Foi toda esta nova faceta e, acima de tudo, a curiosidade em saber o que mudou no menu que nos levou de novo ao LOCO. 

Vamos até à mesa para partilharmos a experiência.



O ambiente informal continua a ser uma mais valia. Profissionais descontraídos e deveras informados e bem formados, explicam passo a passo a experiência que está prestes a começar. Na mesa um envelope que revela o menu. 14 ou 18 momentos, são estas as escolhas. Não pensámos duas vezes, que sejam os 18.



O serviço começa com a escolha dos vinhos. Estaria a nova sommelier preparada para nos surpreender? Emília Craveiro não só surpreendeu, como elevou a fasquia a um nível muito alto. A cada serviço dois vinhos eram servidos, um para cada um de nós, de acordo com as nossas preferências de castas e regiões, mas ambos a encaixar em cheio nos momentos que os acompanharam. Para as boas vindas, um Porto Niepoort Branco Seco. Para acompanhar a longa lista de snacks um Mãos Reserva Branco 2013 e um Quinta do Avelar Arinto 2015. Dois vinhos que são opostos um ao outro, mas que nos encheram tanto o copo, como o palato.




À mesa começaram a chegar os snacks. Primeiro uma interpretação do pastel de bacalhau. Seguiu-se o mexilhão com sumo de maçã verde e raiz de aipo; continuou-se com um fricassé de gemas, mão de buda, daikon (rabanete branco) e ovas de dourada. Momentos crocantes, momentos intensos, momentos surpreendentes. Entre dentadas, colheradas e golos nos copos de vinho apresentam-nos a primeira surpresa da noite: Tainha do mar marinada em sake caseiro e caldo feito com as espinhas do peixe, mais uma cortesia do I+D. Só provando este momento é que nos apercebemos de que quando se trabalha bem é possível mostrar a excelência mesmo com peixes menos nobres.   



Um pouco mais de vinho nos copos e vem até à mesa o berbigão ao vapor com pasta de lingueirão. A questão que nos surgiu de imediato é como é que algo tão simples tem assim tanto sabor, sendo sem dúvida um dos highlights dos snacks. Chega algo crocante para nos entreter e mudar o palato. Mil folhas de pele de galinha com recheio de iogurte fermentado. Devora-se num ápice e ficamos com desejos de comer mais. Não temos de esperar muito para uma mini tartelete de alho negro, mão de vaca e ovas de robalo secas, tudo desenvolvido no I+D chegarem à mesa e colocarem um final intenso e explosivo neste andamento de partida. O sabor? Esse perdura largos minutos na nossa boca e envolve-se no nosso palato.



Uma breve pausa entre momentos e o cenário começa a compor-se. Primeiro um requeijão de ovelha feito na casa, depois uma manteiga de camomila e nata maturada durante sete semanas, levemente polvilhada por flor de sal com camomila, depois o azeite quinta dos nogueirais do douro, por último a molhanga de carne e o pão de trigo integral. Tudo em harmonia, para comermos como quisermos e com as mãos. Parece sempre pouco, mas duas fatias por pessoa é o ideal para desfrutar de um momento que nos enche a alma, não fossemos nós portugueses. No copo, algo também caseiro, uma kombucha de chá preto fermentado, que nos acompanhou também nos dois momentos seguintes.




Chufa, lingueirão, tupinambo e caril verde tailandês integram a primeira entrada. Um abraço entre a terra e o mar, onde se destaca a doçura natural da chufa e a intensidade do caril verde em plena simbiose, num prato simples e consistente. Com quatro ingredientes apenas se faz a entrada seguinte. Até à mesa veio João Alves, um dos Chefs de partida. Com ele trouxe um carrinho e nele um filete de pargo legitimo, um miso de feijão branco português, uma mão de buda do lugar do olhar feliz e um pouco de flor de sal. À nossa frente explicou cada ingrediente, fatiou o peixe em generosos pedaços de sashimi, espalhou o miso nele, acrescentou um zest de mão de buda, terminou com um pouco de flor de sal "et voilá" fez magia.





Continua a epopeia gastronómica com uma lula fresca em óleo de pimentos assados, ovas de polvo secas e um intenso caldo de caranguejo fresco. Seguiu-se a corvina ao vapor com salicórnia e molho de pérolas de tapioca e codium, mais um prato com intensidade e sabor a mar, mas é o que se pretende quando na nossa costa existem produtos com uma qualidade inigualável. Por fim e para ajudar na transição do pescado para a carne, Ricardo Leite, Souschef desta equipa, vem à mesa com a matéria que nos seria servida de seguida, para vermos o trabalho de desenvolvimento na maturação da mesma. Peitos de Codorniz maturada três semanas em feno para que o sabor deste entranhe na carne, sementes de amaranto, citrino e molho de amendoim, compõem este prato saído do I+D. Nos copos e para estes três momentos, Emília surpreendeu com um Soalheiro Terramatter Alvarinho biológico não filtrado de 2016 o que lhe conferia uma cor mais baça e um Vale da Capucha Arinto Branco de 2015, também ele biológico. A escolha destes vinhos surge com a crescente oferta de qualidade que o mercado de vinhos biológicos tem dado a conhecer e também com a capacidade gastronómica que os mesmos conferem e que muitos ainda desconhecem.




Mudam-se os copos e os tintos aterram nos mesmos. Um Manoella Douro 2015 e um Vale da Mata produzido em especifico para Alexandre Silva e o seu LOCO de 2011 que acompanharam os dois pratos de carne que se seguiram. Primeiro chegou o maravilhoso pato fumado com puré de maça, couve toscana e chip de batata. Mais uma vez a simplicidade volta a vir ao de cima num prato que já tínhamos comido na anterior visita, mas que nos agradou imenso que ainda se mantenha na carta. Ricardo volta à mesa e com ele trás o último prato salgado da noite. Denomina-se de momento do LOCO, ou "guess what". À nossa frente é colocado um prato com dois pedaços de proteina, coberta de um molho que pelo olfato nos parecia de carne. O olfato estava semi-correto, mal colocamos um pedaço na boca percebemos que a proteina é carne, mas pela sua leve textura foi difícil lá chegar. Ricardo sai de cena desejando um bom proveito e que mais tarde passaria para explicar o que tínhamos comido. Não vos vamos deixar impacientes. O que nos foi servido foi uma lingua de vaca, cozinhada com mestria a baixa temperatura durante três dias consecutivos, o tal molho, é de moscatel roxo e é uma verdadeira "cereja no topo do bolo". Simplesmente divinal.



Terminam os salgados e o açúcar começa a chegar à mesa. Carolina Pereira, a jovem Chef de pastelaria de apenas 21 anos começa por surpreender com um sorvete de couve e granizado de trevos para nos limpar o palato. De seguida um gelado e granola de centeio, com kafir de leite de ovelha e uma infusão de beterraba e lavanda. Por último: batata doce, passas, toffee e pó de pinho. Mantendo a tendência de final de refeição doce, mas sem cair em exageros, Carolina desenhou e executa estes momentos na perfeição. Os gulosos podem achar que falta qualquer coisa, mas rapidamente ela volta à mesa com os carrinhos dos petit fours. Suspiro de nori com curd de lima kafir, queijadas, trufas de chocolate com casca de noz moscada e limão, sandes de chocolate e amendoim, diospiro seco com sal e um falso coscurão de pele de mão de vaca com canela e açucar. Para rematar tudo isto, uma bomboca explosiva que se come de uma só vez e nos preenche toda a boca com um sabor único. Nos copos, dois generosos. Primeiro um Vieira de Sousa 10 anos e depois um Poças Tawny de 92. Perfeito.



Se se perguntam o porque de tanto elogio a uma refeição, a resposta é simples, para nós é muito mais que uma refeição, é toda uma experiência que recomendamos a todos que a façam. Os valores dos menus são de 86€ para 14 momentos e de 96€ para os 18. Acresce o valor de 70€ por pessoa pelo pairing de vinhos, mas ao contrário da comida, a bebida pode ser escolhida à carta, existindo uma grande variedade de vinhos nacionais, quase todos eles pouco conhecidos do público em geral, mas todos eles surpreendentes. Não foi a primeira nem será a última vez que nos deslocamos ao LOCO. Criámos empatia com a anterior equipa e ficámos a apreciar os dotes da mais recente, o que contradiz o ditado que em equipa vencedora não se mexe, até porque a vida continua e todos estes excelentes profissionais procuram sempre evolução.



Dica de cliente: se gostarem da música que ouvem enquanto repastam, perguntem pelo João Marujo que é ele que trata desses momentos. Bom apetite.