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Conversas Sem Filtro - Era o Leitão, se Faz Favor....

Henrique Sá Pessoa dispensa apresentações. Homem simples e pacato, tem jeito para a cozinha e ouvimos dizer que se entrega de corpo e Alma aos seus projetos. A prova disso é o regresso do seu "Alma" que após ter fechado as portas em Santos e ter estado uns tempos em "banho maria", voltou a abrir no nobre e cosmopolita bairro do Chiado. 



Entre tachos e panelas o Henrique ainda tem tempo para fazer consultorias, escrever livros e fazer televisão. Recentemente estreou um novo programa na RTP, que se chama "Na cozinha com Henrique Sá Pessoa", onde o Chef literalmente entra nas cozinhas de nossas casas e ajuda a preparar refeições diárias e caseiras, acessíveis a todos. Apaixonado por viagens, é nelas que faz a sua busca incansável de sabores e aromas. Tirou o curso nos Estados Unidos, começou a carreira em Londres, rumou até à Austrália, até que regressou a Portugal onde passo a passo foi traçando o seu caminho. Recentemente tivemos a oportunidade de nos sentarmos numa mesa do seu Alma e tivemos esta agradável conversa que partilhamos convosco.

- Olá Henrique, antes de mais o nosso obrigado pela tua disponibilidade. Queríamos começar por perguntar o óbvio, qual o teu ingrediente secreto? 

HSP - Falando de ingrediente, eu diria talvez entre o gengibre e a erva príncipe, mas mais o gengibe por ser entusiasmante e versátil.

- Depois de uns tempos sem um espaço teu, voltaste recentemente em força com o Alma, que muitas saudades deixou quando fechou. Achas que este novo Alma é o projeto ideal para a estrela?

HSP - Dizer que é o ideal nós nunca sabemos, mas sem dúvida é o que reúne as melhores condições para que tal se suceda. Projeto ideal é o que queres como chef, se é o projeto que vai mais ao encontro com o que o guia procura, não sei, mas há muitos restaurantes pelo mundo fora com as características do Alma, até com mais que uma estrela, sim. Se em Portugal compararmos o Alma com outros restaurantes com estrela, creio que temos aqui algumas características que nos diferenciam desses projetos, mas só o futuro dirá se isso é bom ou mau. Este projeto foi criado pela visão conjunta que eu e os meu sócios temos, daquilo que é hoje em dia alta restauração e também do que eu quero a nível de ambiente e cozinha com o meu trabalho. Mas sem dúvida que existe uma evolução relativamente ao último Alma, tanto a nível financeiro como de localização.

- Na tua experiência um restaurante de "fine dining" dá-te mais espaço para a criatividade, ou pelo contrário tira-te essa liberdade criativa?

HSP - Tem de haver um compromisso entre ambos. O fine dining dá-te uma pressão em termos de responsabilidade e expetativa. Sempre que a pessoa vem, espera um certo e determinado standard e experiência pelo preço que está a pagar. A criatividade obriga-te a por-te em zonas desconfortáveis pois estás sempre a arriscar. A consistência é "chave", as pessoas esperam comer o prato igual ao que conhecem, esperam que a comida esteja quente, que seja bem servida, bem empratada e etc. Se estás constantemente a inovar é difícil manteres a consistência. É um pouco como o teu estilo, se todos os dias mudares de estilo, de manhã nunca sabes muito bem o que vais vestir, é a tua identidade. Por outro lado, acho que hoje em dia a alta cozinha tornou-se mais flexível no que toca à criatividade, por exemplo em França, muitos dos chefs queixavam-se e muitos abandonavam os projetos com 3 estrelas exatamente pelas expetativas que as pessoas têm sempre em comer o "famoso não sei o que". Outro exemplo, o Leitão está comigo há 7 anos, eu por mim tirava-o da carta, mas ao mesmo tempo eu sei que metade dos meus clientes pedem Leitão, agora se tiveres toda a carta neste registo torna-se asfixiante para o chef pois tu sentes que não há evolução.



- Quando abriste o novo Alma, leu-se muitos comentários um pouco depreciativos nos "zomatos desta vida" (redes sociais), acima de tudo muitos eram relativos ao preço do restaurante. Achas que os portugueses ainda não estão preparados para o fine dining?

HSP Depende de onde lês as criticas. Se falares do Zomato eu acho que como formato não é a melhor forma de avaliares experiências gastronómicas, porque no Zomato podes ter a classificação de um foodie que dá 3,5 ao Alma e que dá 5 ao Honorato, e tu perguntas quais são os termos comparativos? Também não quero dizer que devia de haver um filtro que obrigasse as pessoas a se quisessem criticar o Alma ou outro restaurante de topo, deveria de ter um historial de visitas a restaurantes do mesmo nível. Mas não podes ter ido a 50 restaurantes de 20€ e de repente vais avaliar um restaurante de 75€ com os mesmos parâmetros. O parâmetro de comparação não pode ser nunca pelo valor pago. Estamos com 4.4 no Zomato mas na minha opinião, acho que as criticas que vejo abaixo dos 4 são criticas de alguém que não tem grande experiência a este nível gastronómico. As pessoas são livres de gostar ou não. Não se podem é queixar da falta de qualidade. Se tiverem a consciência tranquila que estão a servir algo de qualidade, certamente vão ter clientes e é para isso que cá estamos.

Paralelamente ao Alma continuas a fazer a carta do Cais da Pedra e a dar nome ao espaço homónimo no Mercado da Ribeira. Com qual dos conceitos te identificas mais?

HSP - Dão-me igualmente prazer. O Cais da pedra foi um projeto, que modéstia à parte, se assim o poderei dizer, influenciou muito o trend setting dos Hamburgueres em Lisboa, acho que fomos dos primeiros espaços a criar essa bomba dos hamburgueres, mas claro que se sentiu o efeito do surgimento de tanta oferta e evidentemente saimos prejudicados. Obviamente o Cais não tem a mesma afluência que tinha há 3 anos atrás pois se podes comer o mesmo género de cozinha a um preço mais em conta, tu vais fazê-lo. E lá está a parte ingrata da comparação, é que vais à "hamburgaria da esquina" comes por 7€ e no Cais por 15€ mas claro que a confeção é diferente, a qualidade é diferente os ingredientes são diferentes, é como tudo. O mercado é um espaço onde revisito alguns dos meus clássicos, adapatados aos clientes que o frequentam.

- Em 2015 estiveste no Japão e posteriormente fizeste um jantar a 4 mãos com o Chef Kiko Martins onde o tema foi cozinha Japonesa. Esta gastronomia é algo que te agrada? Vias-te a ter um espaço Japonês em Lisboa?

HSP - Não, eu gosto muito de cozinha japonesa mas estou muito longe de ser um entendido. Aquilo foi uma brincadeira que se fez onde a inspiração foi a cozinha japonesa para se confecionar o menu. Mesmo a vertente asiática que tenho é muito mais baseada nos ingredientes que num conhecimento profundo da gastronomia porque nunca a vivi, sem ser na Austrália em que tive a influência da fusão asiática com europeia. Utilizo muitos produtos chineses, tailandeses, vietnamitas e incorporo esses ingredientes na minha cozinha, como o caso do choco que é inspirado na cozinha tailandesa mas com ingredientes japoneses e também portugueses.

Da televisão, aos livros, temos a ideia que és o cozinheiro português com mais programas emitidos e livros publicados. Sentes-te mais um Gordon Ramsey ou um Tony Bourdain?

HSP - Nem um nem outro. Também não me sinto um Jamie Oliver apesar de ser a primeira alcunha que tive - "Jamie Oliver Português" - durante muitos anos. Inclusive saiu um artigo sobre mim na revista do Jamie em que me intitularam de "Jamie Português" o que é ótimo. Sinto que sou um misto de vários, mas um Ramsey não sou de certeza pois não tenho aquele feitio nem aquela "arrogância". Agora sei que provavelmente a par do José Avillez sou o Chef português mais mediático em termos de reconhecimento do público. Se mostrarem a 10 pessoas 5 nomes de Chefs portugueses e eu estiver lá, 95% das pessoas vão reconhecer o meu nome antes de outros Chefs. Tenho um estilo muito próprio. Há pessoas que acham que sou tímido e um pouco reservado, não sou propriamente exuberante em televisão. Outras gostam dessa serenidade e o maior elogio que me fazem sempre é o transmitir a calma e conhecimento na cozinha que faz com que qualquer pessoa acredite que consegue fazer aquela receita, pois faço parecer as coisas fáceis e isso aproxima-me muito das pessoas.



- Sentes que essa serenidade te pode prejudicar de algum modo. É que por norma as grandes massas televisivas gostam do popularismo e da exuberância?

HSP - Sim, é um facto, mas eu faço televisão há 10 anos e sei que tenho evoluído. Eu há 10 anos era muito mais introvertido e hoje em dia sou muito mais extrovertido, tanto em televisão, como no meu dia a dia, na interação com os meus fãs e espetadores. Creio que posso dizer que hoje em dia já não sou tímido, mas o mediatismo e a televisão têm um percurso que te obriga a libertar tanto como pessoa, como com profissional. É todo um equilíbrio.

Vamos às questões rápidas. O que te inspira na cozinha?

HSP - Sem dúvida, as viagens.

O que mais gostas de cozinhar?

HSP - Acima de tudo, peixes e marisco.

O que mais te pedem para cozinhar?

HSP - Panquecas, que é a minha filha que pede, praticamente todos os dias. Num âmbito profissional, sem dúvida o leitão.

O que é que nunca cozinhaste?

HSP Tudo o que seja entranhas e coisas do género. Nunca fui fã das texturas gelatinosas desses ingredientes.